VI- Eleição



1 Eleição é a escolha feita por Deus, em Cristo, desde a eternidade, de pessoas para a vida eterna, não por qualquer mérito, mas segundo a riqueza da sua graça.

Gn 12.1-3; Ex 19.5,6; Ez 36.22,23,32; 1Pe 1.2; Rm 9.22-24; 1Ts 1.4


2 Antes da criação do mundo, Deus, no exercício da sua soberania divina e à luz de sua presciência de todas as coisas, elegeu, chamou, predestinou, justificou e glorificou aqueles que, no correr dos tempos, aceitariam livremente o dom da salvação.

Rm 8.28-30; Ef 1.3-14; 2Ts 2.13,14


3 Ainda que baseada na soberania de Deus, essa eleição está em perfeita consonância com o livre-arbítrio de cada um e de todos os homens.

Dt 30.15-20; Jo 15.16; Rm 8.35-39; 1Pe 5.10


4 A salvação do crente é eterna. Os salvos perseveram em Cristo e estão guardados pelo poder de Deus.
Jo 3.16,36; Jo 10.28,29; 1Jo 2.19
Programa14h 


5 Nenhuma força ou circunstância tem poder para separar o crente do amor de Deus em Cristo Jesus.
Mt 24.13; Rm 8.35-39
Programa14h


6 O novo nascimento, o perdão, a justificação, a adoção como filhos de Deus, a eleição e o dom do Espírito Santo asseguram aos salvos a permanência na graça da salvação.
Jo 10.28; Rm 8.35-39; Jd 24
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CONFISSÃO DE FÉ DA GUANABARA - 1558 dC.
X. Quanto ao livre arbítrio, cremos que, se o primeiro homem, criado à imagem de Deus, teve liberdade e vontade, tanto para bem como para mal, só ele conheceu o que era livre arbítrio, estando em sua integridade. Ora, ele nem apenas guardou este dom de Deus, assim como dele foi privado por seu pecado, e todos os que descendem dele, de sorte que nenhum da semente de Adão tem uma centelha do bem.

Por esta causa, diz São Paulo, o homem natural não entende as coisas que são de Deus. E Oséias clama aos filhos de Israel: “Tua perdição é de ti, ó Israel.” Ora isto entendemos do homem que não é regenerado pelo Santo Espírito.

Quanto ao homem cristão, batizado no sangue de Jesus Cristo, o qual caminha em novidade de vida, nosso Senhor Jesus Cristo restitui nele o livre arbítrio, e reforma a vontade para todas as boas obras, não todavia em perfeição, porque a execução de boa vontade não está em seu poder, mas vem de Deus, como amplamente este santo apóstolo declara, no sétimo capítulo aos Romanos, dizendo: “Tenho o querer, mas em mim não acho o realizar.”

O homem predestinado para a vida eterna, embora peque por fragilidade humana, todavia não pode cair em impenitência.

A este propósito, S. João diz que ele não peca, porque a eleição permanece nele.
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CONFISSÃO DE FÉ ESCOCESA - 1560 dC.
8º CAPÍTULO... A Eleição... O mesmo eterno Deus e Pai, que somente pela graça nos escolheu em seu Filho, Jesus Cristo, antes que fossem lançados os fundamentos do mundo,1 designou-o para ser nosso chefe,2 nosso irmão,3 nosso pastor e o grande bispo de nossas almas.4 Mas, visto que a inimizade entre a justiça de Deus e os nossos pecados era tal que nenhuma carne por si mesma poderia ter chegado a Deus,5 foi preciso que o Filho de Deus descesse até nós e assumisse o corpo de nosso corpo, a carne de nossa carne e o osso de nossos ossos, para que se tornasse o perfeito Mediador entre Deus e o homem,6 dando a todos os que crêem em Deus o poder de se tornarem filhos de Deus,7 como ele mesmo diz: "Subo para o meu Pai e vosso Pai, para o meu Deus e vosso Deus".8 Por meio desta santíssima fraternidade, tudo o que perdemos em Adão nos é de novo restituído,9 e por isso não tememos chamar a Deus nosso Pai,10 não tanto por nos ter ele criado - o que temos em comum com os próprios réprobos –11 como por nos ter dado o seu Filho unigênito para ser nosso irmão,12 e por nos ter concedido graça para reconhecê-lo e abraçá-lo como nosso único Mediador, como ficou dito acima.

Além disso, era preciso que o Messias e Redentor fosse verdadeiro Deus e verdadeiro homem, porque ele seria capaz de suportar o castigo devido a nossas transgressões e apresentar-se ante o juízo de seu Pai, como em nosso lugar, para sofrer por nossa transgressão e desobediência,13 e, pela morte, vencer o autor da morte. Mas, porque a Divindade, só, não podia sofrer a morte,14 nem a humanidade podia vencê-la, ele uniu as duas numa só pessoa, a fim de que a fraqueza de uma pudesse sofrer e sujeitar-se à morte que nós merecíamos - e o poder infinito e invencível da outra, isto é, da Divindade, pudesse triunfar e preparar-nos a vida, a liberdade e a vitória perpétua.15 Assim confessamos e cremos sem nenhuma dúvida.
1. Ef 1:11; Mt 25:34.
2. Ef 1:22-23.
3. Hb 2:7-8, 11-12; Sl 22:22.
4. Hb 13:20; 1Pd 2:24; 5:4.
5. Sl 130:3; 143:2.
6. 1Tm 2:5.
7. Jo 1:12.
8. Jo 20:17.
9. Rm 5:17-19.
10. Rm 8:15; Gl 4:5-6.
11. At 17:26.
12. Hb 2:11-12.
13. 1Pd 3:18; Is 53:8.
14. At 2:24.
15. Jo 1:2; At 20:20; 1Tm 3:16; Jo 3:16.
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OS CÂNONES DE DORDT - 1619 dC.
Artigo 6: Decreto Eterno de Deus
O fato de que alguns recebem de Deus o dom da fé durante a vida, e que outros não, se origina de seu decreto eterno. Porque todas as suas obras são conhecidas por Deus desde a eternidade (At.15:18; Ef.1:11). De acordo com este decreto ele graciosamente amolece os corações outrora duros de seus escolhidos e os inclina a crer, mas por seu justo julgamento deixa em suas maldades e dureza de coração aqueles que não foram escolhidos. E nisto especialmente nos é manifesto este ato — insondável, e tão misericordioso quanto justo — de distinguir entre pessoas igualmente perdidas. Este é o bem conhecido decreto de eleição e reprovação revelado na Palavra de Deus. Este decreto os maldosos, impuros, e instáveis distorcem para sua própria perdição, mas, ele supre as almas santas e pias com um consolo inexprimível.

At.13:48; I Pe.2:8; Ef.1:11

Artigo 7: Eleição
Eleição [ou escolha] é o imutável propósito de Deus pelo qual ele fez o seguinte:

Antes da fundação do mundo, por pura graça, segundo o soberano bom propósito da sua vontade, ele escolheu em Cristo para a salvação um número definido de pessoas em particular dentre toda a raça humana, a qual caiu de sua inocência original, por sua própria falta, em pecado e ruína. Aqueles escolhidos não foram nem melhores nem mais merecedores que os outros, mas se prostram com eles na mesma situação de miséria. [Deus] fez isto em Cristo, o qual também designou desde a eternidade para ser o mediador, o cabeça de todos os escolhidos, e o alicerce de sua salvação. E assim [Deus] decidiu dar os escolhidos a Cristo para serem salvos, e chamá-los e efetivamente atraí-los à comunhão com Cristo através de sua Palavra e Espírito. Em outras palavras, ele decidiu conceder-lhes verdadeira fé em Cristo, justificá-los, santificá-los, e finalmente, após sua poderosa preservação em comunhão com seu Filho, glorificá-los.

Deus fez isto tudo para demonstrar sua misericórdia, para louvor das riquezas de sua gloriosa graça.

As Escrituras dizem: Como [Deus] também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado" (Ef.1:4-6). E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou (Rm.8:30).

Ef.1:4,11; Jo.17:2,12,24; Jo.6:37,44; I Co.1:9; Ef.1:4-6; Rm.8:30

Artigo 8: Um Único Decreto de Eleição
Esta eleição não é de muitos tipos; é uma e exatamente a mesma eleição para todos os que deveriam ser salvos tanto no Velho e como no Novo Testamento. Porque a Escritura declara que há um único beneplácito, propósito, e conselho da vontade de Deus, pelo qual ele nos escolheu desde a eternidade tanto para a graça quanto para a glória, tanto para a salvação quanto para o caminho da salvação, o qual ele de antemão preparou para que andássemos nele.

Dt.7:7; Dt.9:6; Ef.1:4-5; Ef.2:10

Artigo 9: Eleição Não Baseada em Presciência de Fé
Esta mesma eleição não aconteceu com base em previsão de fé, de obediência à fé, de santidade, ou de qualquer outra boa qualidade ou disposição, como se fosse baseada em um pré-requisito, uma causa ou uma condição na pessoa a ser escolhida, mas ao contrário, [aconteceu] para o propósito da fé, da obediência à fé, da santidade, e assim por diante.

Concordemente, a eleição é a fonte de cada um dos benefícios da salvação. A fé, a santidade, e os outros dons da salvação, e ao final a própria vida eterna, fluem da eleição como seus frutos e efeitos. Como diz o apóstolo: Como também nos elegeu... (não porque seríamos, mas)... para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor (Ef.1:4).

Rm.8:30; Ef.1:4

Artigo 10: Eleição Baseada na Boa Vontade de Deus
Mas a causa desta eleição imerecida é exclusivamente a boa vontade de Deus. Isto não implica ele escolher certas qualidades ou ações humanas, entre todas aquelas possíveis, como condição para a salvação, mas ao contrário implica sua adoção de certas pessoas em particular dentre a massa comum de pecadores como sua própria possessão. Como dizem as Escrituras: Não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal... Foi dito a ela (Rebeca): O maior servirá o menor. Como está escrito: Amei a Jacó, e odiei a Esaú (Rm.9:11-13). Também: Creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna (At.13:48).

Rm.9:11-13; Gn.25:23; Ml.1:2-3; At.13:48

Artigo 11: Eleição Imutável
Exatamente como o próprio Deus é sumamente sábio, imutável, onisciente, e Todo-Poderoso, deste modo a eleição feita por ele não pode ser nem suspensa, nem alterada, revogada, ou anulada; nem seus escolhidos podem ser lançados fora, ou seu número ser reduzido.

Jo.6:37; Jo.10:28

Artigo 12: A Garantia da Eleição
A garantia dessa sua eterna e imutável eleição para salvação é dada aos escolhidos no tempo devido, ainda que em vários estágios e em diferentes medidas. Tal garantia não vem através de uma busca inquisitiva nas coisas ocultas e profundas de Deus, mas observando dentro deles mesmos, com alegria espiritual e santo deleite, os inconfundíveis frutos da eleição assinalados na Palavra de Deus — tais como: verdadeira fé em Cristo, temor filial de Deus, santo arrependimento por seus pecados, fome e sede de justiça, e assim por diante.

Dt.29:29; I Co.2:10-11; II Co.13:5; II Co.7:10; Mt.5:6

Artigo 13: O Fruto Desta Garantia
Por sua consciência e segurança desta eleição diariamente os filhos de Deus encontram enorme razão para se humilharem diante de Deus, para adorar a insondável profundidade de suas misericórdias, para se purificarem, e para retornarem fervoroso amor a ele que primeiro tão grandemente os amou. Isto está longe de dizer que esta doutrina concernente à eleição, e que a reflexão sobre ela, faça os filhos de Deus [se tornarem] negligentes em observar seus mandamentos ou carnalmente autoconfiantes. Pelo justo julgamento de Deus isto usualmente acontece àqueles que levianamente têm por concedida a graça da eleição e engajam-se em inútil e impudente discussão sobre ela, mas que relutam em andar no caminho dos escolhidos.

I Jo.3:3; I Jo.4:19

Artigo 14: Ensinando Adequadamente a Eleição
Exatamente como, pelo sábio plano de Deus, esta doutrina concernente à divina eleição foi proclamada através dos profetas, pelo próprio Cristo, e pelos apóstolos, nos tempos do Velho e do Novo Testamento, assim também deve ser proclamada hoje na igreja de Deus. Pois, como foi especificamente planejada, esta doutrina deve ser assim proclamada — com um espírito de discrição, de modo reverente e santo, no tempo e lugar apropriado, sem uma busca inquisitiva nos caminhos do Altíssimo. Isto deve ser feito para a glória do santíssimo nome de Deus, e para o vivificante consolo do seu povo.

At.20:27; Jó 36:23-26; Rm.11:33; Rm.12:3; I Co.4:6
Artigo 15: Reprovação
Além disto, a Sagrada Escritura, muito especialmente, ilumina a eterna e imerecida graça da nossa eleição e a torna mais clara a nós, em que testifica que nem todas as pessoas foram escolhidas, mas que algumas não foram escolhidas ou foram deixadas fora da eterna eleição de Deus. — Aqueles sobre os quais Deus tomou, com base em sua plena soberania, e em seu mui justo, impecável, e imutável juízo, a seguinte decisão: Deixá-los na miséria comum na qual, pelo seu próprio erro, eles mergulharam a si mesmos; e não conceder-lhes a fé salvadora e a graça da conversão; mas finalmente condená-los e eternamente puni-los (tendo sido deixados em seus próprios caminhos e sob seu justo julgamento), não somente por sua incredulidade, mas também por todos os seus outros pecados, de modo a mostrar a sua justiça. E esta decisão de reprovação, de modo algum faz de Deus o autor do pecado (um pensamento blasfemo!), mas ao contrário, o faz o temível, irrepreensível, e justo juiz e vingador.

Rm.9:22; I Pe.2:8; At.14:16

Artigo 16: Respostas à Doutrina da Reprovação
Aqueles que ainda não experimentaram ativamente em seu próprio ser a fé vivificante em Cristo ou uma segura confiança em seu coração, a paz de consciência, o zelo pela obediência filial, e a glória em Deus através de Cristo, mas que, todavia, se utilizam dos meios pelos quais Deus tem prometido operar estas coisas em nós: — tais pessoas não devem se alarmar com a menção da reprovação, nem contar a si mesmos entre os reprovados; ao contrário devem continuar diligentemente com o uso destes meios, desejando fervorosamente um tempo de graça mais abundante, e aguardando por ele em reverencia e humildade. Por outro lado, aqueles que desejam seriamente converter-se a Deus, que desejam estar agradando somente a ele, e se livrar do corpo da morte, mas que ainda não são capazes de fazer tal progresso pelo caminho da santidade e da fé como gostariam: — tais pessoas, muito menos, devem temer a doutrina da reprovação, já que nosso misericordioso Deus tem prometido que não irá apagar o pavio fumegante e que não irá quebrar a cana trilhada. Contudo, aqueles que têm-se esquecido de Deus e do seu Salvador Jesus Cristo e têm-se abandonado inteiramente aos cuidados do mundo e aos prazeres da carne: — tais pessoas têm todas as razões para permanecerem temendo esta doutrina, enquanto seriamente não se voltarem a Deus.


Tg.2:26; II Co.1:12; Rm.5:11; Fl.3:3; Rm.7:24; Is.42:3; Mt.12:20; Mt.13:22; Hb.12:29
Artigo 17: A Salvação dos Filhos dos Crentes
Desde que nós devemos fazer julgamentos sobre a vontade de Deus a partir da sua Palavra, a qual testifica que as crianças dos crentes são santas, não por natureza, mas pela virtude da graciosa aliança na qual elas juntamente com seus pais estão inseridas, os pais consagrados não devem duvidar da eleição e da salvação das suas crianças que Deus tenha chamado desta vida ainda na infância.

Gn.17:7; Is.59:21; At.2:39; I Co.7:14

Artigo 18: A Atitude Adequada com Relação à Eleição e à Reprovação
Àqueles que se queixam sobre a graça de uma eleição imerecida e sobre a severidade de uma justa reprovação, respondemos com as palavras do apóstolo: Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? (Rm.9:20), e com as palavras de nosso Salvador: Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? (Mt.20:15). Nós, contudo, com reverente veneração por estes mistérios, clamamos com o apóstolo: Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Porque quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém (Rm.11:33-36).


Jó 34:34-37; Rm.9:20; Mt.20:15; Rm.11:33-36
Tendo sido exposta a doutrina ortodoxa concernente à eleição e à reprovação, o Sínodo rejeita os erros daqueles que:

I

Ensinam que a vontade de Deus de salvar aqueles que vierem a crer e a perseverar em fé e em obediência à fé é o inteiro e completo desígnio da eleição para salvação, e que nada mais concernente a este desígnio foi revelado pela Palavra de Deus.

Porque eles enganam os símplices e claramente contradizem a Sagrada Escritura em seu testemunho de que Deus não somente deseja salvar aqueles que crêem, mas que ele tem também desde a eternidade escolhido certas pessoas em particular às quais, ao contrário de outras, irá a tempo conceder fé em Cristo e perseverança. Como diz a Escritura: Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste (Jo.17:6). Do mesmo modo, creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna (At.13:48). Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos... (Ef.1:4).

II

Ensinam que a eleição de Deus para a vida eterna tem muitas formas: uma geral e indefinida, e outra particular e definida; e esta última, por sua vez, pode ser tanto incompleta, revogável, e não definitiva (ou condicional), como [pode ser] completa, irrevogável, e definitiva (ou absoluta). Também, daqueles que ensinam que há uma eleição para fé e outra para salvação, de modo que possa haver uma eleição para fé justificadora à parte de uma definitiva eleição para a salvação.

Porque isto é uma invenção do cérebro humano, imaginada à parte das Escrituras, e que distorce a doutrina concernente à eleição e rompe a corrente de ouro da nossa salvação: Aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou (Rm.8:30).

III

Ensinam que a boa vontade e o propósito de Deus, que as Escrituras mencionam em seus ensinos sobre a eleição, não implicam a escolha de Deus de certas pessoas em particular, e não de outras. Mas, que a escolha de Deus depende, dentre todas as possíveis condições (incluindo as obras da lei) e dentre todas as ordens de coisas, de um intrinsecamente indigno ato de fé, tanto quanto de uma imperfeita obediência à fé, como sendo as condições para a salvação; e isto inclui seu desejo gracioso de contar isto como perfeita obediência e olhar para isto como merecedor da recompensa da vida eterna.

Porque, por este erro pernicioso a boa vontade de Deus e o mérito de Cristo são roubados de sua eficácia e as pessoas são afastadas, por indagações sem proveito, da verdade da justificação imerecida e da simplicidade das Escrituras. Também mostram a mentira disto as palavras do apóstolo: [Deus nos] chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos; (II Tm.1:9).

IV

Ensinam que na eleição para fé um pré-requisito é que o homem deve corretamente usar a luz da natureza, sendo justo, modesto, humilde, e disposto para a vida eterna, como se a eleição de alguma forma dependesse destes fatores.

Porque isto tem indícios de Pelágio, e claramente traz à baila as palavras do apóstolo: Nós... antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também. Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie (Ef.2:3-9).

V

Ensinam que a eleição incompleta e não definitiva de pessoas em particular para a salvação ocorreu com base na presciência de fé, arrependimento, santidade, e piedade, que acabaram de se iniciar ou que tem continuado por algum tempo; e que a eleição completa e definitiva ocorreu com base na presciência da perseverança até o fim em fé, arrependimento, santidade e piedade. E que esta é a graça e o merecimento evangélico, pelo qual aquele que é escolhido é mais merecedor que aquele que não é escolhido. E, sendo assim, que a fé, a obediência à fé, a santidade, a piedade e a perseverança não são frutos ou efeitos de uma eleição imutável para a glória, mas condições indispensáveis e suas causas, as quais são pré-requisitos naqueles que serão escolhidos na eleição completa, e que eles são antevistos como as tendo alcançado.

Isto segue contrariamente a toda a Escritura, que do começo ao fim grava sobre nossos ouvidos e corações as seguintes palavras, entre outras: Eleição... não por causa das obras, mas por aquele que chama (Rm.9:11-12); creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna (At.13:48); [Deus] nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos (Ef.1:4); Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós (Jo.15:16); Mas se é por graça, já não é pelas obras (Rm.11:6); Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós, e enviou seu Filho (I Jo.4:10).

VI

Ensinam que nem toda eleição para a salvação é imutável, mas que alguns dos escolhidos podem perecer, e de fato perecem, eternamente, sem nenhum desígnio de Deus para prevenir [que isto aconteça].

Por este erro grosseiro eles fazem Deus ser inconstante, destroem o consolo dos piedosos no que concerne à firmeza da eleição, e contradizem as Sagradas Escrituras, que ensinam que o eleito não pode ser levado a extraviar-se (Mt.24:24), que Cristo não perde nenhum dos que lhe foram dados pelo Pai (Jo.6:39), e que aqueles a quem Deus predestinou, chamou e justificou, ele também glorifica (Rm.8:30).

VII

Ensinam que nesta vida não há nenhum fruto, nenhuma consciência, e nenhuma segurança da imutável eleição, de alguém para a glória, exceto como dependente de condições sobre coisas que são mutáveis e contingenciais.

Porque não é somente absurdo falar de uma segurança incerta, mas estas coisas também militam contra a experiência dos santos, que com o apóstolo se regozijam da consciência de sua eleição e cantam louvores sobre este dom de Deus; os quais, como Cristo ressaltou: se alegram por seus nomes estarem escritos nos céus (Lc.10:20); e por fim sustentam, contra os dardos inflamados das tentações do diabo, a consciência de sua eleição, com a seguinte questão: Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? (Rm.8:33).

VIII

Ensinam que não é com base em sua justa vontade que Deus decide deixar alguém na queda de Adão e no estado comum de pecado e condenação, ou passar qualquer um pelo conceder de graça necessário para fé e conversão.

Porque estas palavras se posicionam contra o que segue: [Deus] compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer (Rm.9:18). E também: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado (Mt.13:11). Do mesmo modo: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim te aprouve (Mt.11:25-26).

IX

Ensinam que a razão porque Deus manda o evangelho a uma pessoa e não a outra, não é tão somente o bom propósito de Deus, mas antes é que uma pessoa é melhor ou mais merecedora que outra a quem o evangelho não é comunicado.


Porque Moisés contradiz isto quando se dirige ao povo de Israel como segue: Eis que os céus e os céus dos céus são do SENHOR teu Deus, a terra e tudo o que nela há. Tão-somente o SENHOR se agradou de teus pais para os amar; e a vós, descendência deles, escolheu, depois deles, de todos os povos como neste dia se vê (Dt.10:14-15). E também Cristo: Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! porque, se em Tiro e em Sidom fossem feitos os prodígios que em vós se fizeram, há muito que se teriam arrependido, com saco e com cinza (Mt.11:21).

Rejeição de Falsas Acusações

E assim esta é a clara, simples, e direta explanação da doutrina ortodoxa nos cinco artigos em disputa na Holanda, bem como a rejeição dos erros pelos quais as Igrejas da Holanda têm por algum tempo sido perturbadas. O Sínodo declara esta explanação e rejeição de erros como sendo derivada da Palavra de Deus e de acordo com as confissões das Igrejas Reformadas. Em conseqüência, parece claro que alguns, de quem dificilmente se poderia esperar isto, nenhuma verdade têm apresentado, nem equidade, nem caridade, ao desejarem fazer o povo acreditar:

- que a doutrina das igrejas Reformadas sobre a predestinação, e em pontos associados com esta, por sua própria natureza e tendência, levam as mentes das pessoas para longe de toda piedade e religião, que é um narcótico da carne e do diabo, que é uma fortaleza de Satanás onde ele está esperando por todas as pessoas, feridas muitas delas, e que fatalmente penetra muitas delas com setas tanto de desespero quanto de autoconfiança.

- que esta doutrina faz Deus ser o autor do pecado, da injustiça, um tirano, e um hipócrita; e não é nada além de um renovado Estoicismo, Maniqueísmo, Libertinismo, e Maometismo;

- que esta doutrina torna as pessoas carnalmente autoconfiantes, uma vez que as persuade de que nada põe em perigo a salvação dos escolhidos, não importando como eles vivem, uma vez que eles podem cometer os mais ultrajantes crimes com autoconfiança; e que por outro lado nada é de utilidade para os reprovados mesmo que eles tivessem verdadeiramente executado todas as obras dos santos.

- que esta doutrina significa que Deus predestinou e criou, por uma mera e desqualificada escolha da sua vontade, sem a menor estima e consideração por qualquer pecado, a maior parte do mundo à eterna condenação; que da mesma forma que a eleição é a fonte e causa da fé e das boas obras, a reprovação é a causa da descrença e da impiedade; que muitos filhos pequenos de crentes são arrebatados de sua inocência nos seios de suas mães e cruelmente lançados no inferno já que nem o sangue de Cristo, nem seus batismos, nem as orações da igreja em seu batismo podem ser de qualquer utilidade a eles; e muitas outras caluniosas acusações deste tipo que as igrejas Reformadas não somente negam, mas também denunciam de todo o coração.

Por esta razão este Sínodo de Dordt em nome do Senhor apela a todos os que devotadamente clamam em nome do Salvador Jesus Cristo para que formem juízo sobre a fé das igrejas Reformadas não com base em falsas acusações colhidas aqui e ali, ou mesmo com base em afirmações pessoais de um número de autoridades antigas e modernas; — afirmações que freqüentemente são também tiradas fora do seu contexto ou citadas erroneamente e torcidas para se ajustarem a um significado diferente — mas com base nas confissões oficiais das próprias igrejas e na presente explanação da doutrina ortodoxa a qual foi endossada por consenso unânime de cada um dos membros do Sínodo.

Além disso, o Sínodo severamente adverte os próprios falsos acusadores para que considerem quão pesado julgamento de Deus aguarda aqueles que dão falso testemunho contra tantas igrejas e suas confissões, transtornam as consciências dos fracos, e buscam predispor as mentes de tantos contra a comunhão dos verdadeiros crentes.

Finalmente, este Sínodo deseja que todos os companheiros ministros do evangelho de Cristo lidem com esta doutrina de forma piedosa e reverente, tanto em instituições acadêmicas quanto nas igrejas; assim fazendo em seu falar e escrever, tendo em vista a glória do nome de Deus, a santidade de vida, e o consolo das almas ansiosas; que pensem e também que falem sobre a Escritura de acordo com a analogia da fé; e, finalmente, que refreiem todos aqueles modos de falar que vão além dos limites estabelecidos para nós pelo genuíno senso das Sagradas Escrituras e que possam não dar aos impertinentes sofistas uma justa oportunidade para zombar da doutrina das igrejas Reformadas ou mesmo trazer falsas acusações contra ela.


Possa o Filho de Deus Jesus Cristo, que está assentado à mão direita de Deus e dá dons aos homens, nos santificar na verdade, guiar à verdade aqueles que erram, silenciar as bocas daqueles que imputam falsas acusações contra a sã doutrina, e equipar os ministros fiéis da sua Palavra com um espírito de sabedoria e discernimento, para que tudo o que venham dizer seja para glória de Deus e para a edificação dos seus ouvintes. Amém.
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